Eu jamais ousaria tentar falar sobre a complexidade dos sentimentos humanos. Não tenho cacife pra isso. Pra mim já é difícil falar sobre meus próprios sentimentos, imagina os de toda uma espécie. Até porque há sensações que só podem ser compreendidas depois que passam. Elas foram feitas pra isso, pra confundir mesmo, pra entristecer mesmo, pra quase matar mesmo. E pra depois passarem. E sem prazo definido, sem garantia de que você vai ser uma pessoa melhor ou pior quando passam.
Então há essas malditas histórias que não passam. Acabam, soltam o meu pescoço, me proporcionando um longo suspiro de alívio. Mas não morrem. Ficam vivas em baixo da minha cama e saem de vez em quando nos momentos mais inoportunos possíveis. Às vezes sob o falso manto da precaução, cochichando no meu ouvido: "Ei, olha lá hein... Cuidado hein... Você não vai querer passar por isso de novo hein...". Mas que desculpa esfarrapada pra um tormento! Eu não vou passar por isso de novo porque é impossível, pelo menos aqui, agora, nesse mundo, voltar no tempo e viver qualquer coisa de novo. Os temas até se repetem às vezes. Os cenários, talvez... Mas a história não. Acabou ta acabada. Porém viva. E pior: só você sabe. Porque esse tipo de história zombeteira tem o dom de se fingir de morta pros outros... Então elas invadem seu território e te pegam com as calças na mão e saem se enfiando em outras histórias transformando sua vida numa eterna bagunça metalingüística.
Quisera eu conseguir enterrar todas elas. Olhar pra uma e não sentir minha cara formigando de ódio. Olhar pra outra e não sentir meu orgulho definhando de frustração. E olhar pruma terceira e não sentir minha mágoa transbordando de decepção. Pra que afinal, eu precisaria de ódio do que já não importa, frustração pelo que já nem quero e decepção com o que já nem existe? Quisera eu andar pelo mundo levando apenas o aprendizado (Ah, sim, eu aprendi. E como aprendi!) sem ter que carregar a vida de histórias que (graças a deus!) acabaram. Assim poderia aproveitar plenamente (e eu dou muito valor presse negócio de aproveitar plenamente as coisas, sabe?) esse momento perfeito, novíssimo, que foi me foi dado de presente pelos deuses, em uma perfeição tão milimetricamente calculada que quase assusta. Como uma recompensa por eu ter sobrevivido mantendo uma cota mínima de lucidez.
Elas, as histórias, acabaram. Eu já aprendi a lição de moral. Ganhei uma história nova. Então qual a função desses fantasmas invisíveis a olho alheio que vivem latentes na minha vida? Não sei. Como disse, não sei nada sobre a complexidade dos sentimentos humanos. E, por isso, jamais ousaria tentar falar sobre eles.
|