O Rio de Janeiro me persegue. Acabei de retornar à Buracaju, minha cidadezinha do coração, e uma das primeiras coisas que sou convidada a fazer é assistir o badalado documentário "Sou Feia Mas To Na Moda", que tinha como tema o quê? o funk carioca. Pelo título debochado e por tomar conhecimento de que tinha o dedo do Allan Sieber, fui apostando que seria uma coisa nova e criativa. Porra nenhuma. Valeu a pena porque tinha legendas em inglês. Sabia que "vai popozuda" em inglês se escreve "go, big bum putt"? Pois é. No mais, só mais uma análise cult-demagógica do "grande movimento cultural AND feminista que está conquistando espaço na sociedade". Aquele blá blá blá de sempre.
Uma coisa que não entra na minha cabeça é esse escarcéu todo. Funk carioca pra mim nunca vai ser nada mais do que o jeito que todo mundo fala no dia a dia da periferia do Rio, sobre os assuntos que se falam no dia a dia da periferia do Rio, com os interesses do dia a dia da periferia do Rio, só que cantado e com uma batida americana no fundo. Só. Mas é claro que isso é divertidíssimo. Pelo menos eu acho.
Um grupo de machão sarado cantando que homem de verdade tem que ter tem que ter tem que ter uma amante é divertido. Um grupo de gostosona brega respondendo que mulher de verdade quer otário pra bancar a-ha a-ha um otário pra bancar também é. Mas um grupo de cineasta do óculos quadradinho analisando isso como movimento cultural neo-feminista é patético. Porque Joana Darc não foi à guerra pra seiscentos anos depois aparecer intelectualzinho de merda levando muito a sério teorias sociais fabulosas afirmando que mulher de verdade é aquela que arruma um otário pra bancar. Tenha santa paciência. Me irrita profundamente chamar de feminista uma mulher que comete a graaaaande ousadia de responder o mais babaca dos homens no mesmo (baixo) nível. Porque, se é pra levar a sério (coisa que evito fazer em prol da manutenção da leveza da vida), é assim que eu vejo. Se não for pra levar a sério, eu acho engraçado. Mas feminista naaaão!!!
E digo mais. Noutro dia tive a oportunidade de ter em minhas mãos uma Marie Claire, sempre muito bem vinda na sala de espera do consultório do dermatologista. E na revista tinha uma entrevista com a GRAAAAANDE Tati Quebra Barraco. E depois da entrevista digo que pra essa senhora, por sinal autora da frase-título do documentário babaca, eu pago um pau sim! Ela demonstrou um desdém tão absurdo diante dos holofotes da Indústria Cultural que a elegeu pra ser produto, podendo envergonhar jornalistazinhos de merda que insistem em classificá-la como celebridade. E o melhor de tudo: sem ter nem noção do que tava fazendo! Como não ser cativada por uma nêga que diz que, quando a fama passar, sabe que tem muita casa de família pra ela trabalhar, que seu maior luxo é usar calças da gang, perfume da Natura e colares de ouro e que canta putaria só porque gosta de sexo e pronto? E o trecho mais FODA pra mim foi esse aí:
MC Você foi convidada pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil em um encontro feminista na Alemanha no ano passado. Como foi essa viagem?
Tati Foi bom, me trataram bem. Fui lá, ganhei meu dinheiro, voltei. Mas o dia demorava a passar, queria voltar logo porque aqui era véspera de feriado. Todo mundo na cachaça e eu lá [faz cara de tédio]. A cerveja era ruim, quente e doce. Comprei uma câmera digital, mas achava tudo caro e preferia comprar aqui.
MC Viagens e riqueza atraem você?
Tati Não. Eu sou uma mulher sem cultura, que só quer ganhar o seu dinheiro e voltar para casa.
MC Não tem um lugar que você queira conhecer?
Tati Queria ir à Bahia, mas já fui. Acho que gostaria de conhecer Beverly Hills, ver as patricinhas da televisão, porque eu via muito o seriado "Barrados no Baile".
Agora veja bem. Já que as pessoas precisam tanto de ícones, a Tati deveria ser um ícone do suprasumo do deboche com a cara da mídia. Ela não tá aí pra liderar movimento nenhum, ela só quer ganhar dinheiro honestamente! SÓ! Isso tudo pra mim é uma grandessíssima piada do mais alto porte e da mais fina graça e eu não consigo entender como tem gente que considera funk carioca UM MOVIMENTO CULTURAL SERÍSSIMO!!! Ou pior ainda: UM MOVIMENTO FEMINISTA!!!
Então já que todo mundo tem uma opinião formada sobre o assunto, taí a minha. Vcs, intelectuais, podem ser muito inteligentes e se deslumbrarem com qualquer coisa, como se todo ser humano de universos diferentes do seu devesse ser admirado como animal exótico no zoológico. Mas toda inteligência de vocês, cheia de análises e teorias, nunca vai ser capaz de entender como pode uma pessoa só querer simplesmente fazer muito sexo, comprar calça da Gang, ser feliz e andar tranqüilamente na favela onde nasceu.
E outra coisa: vcs são chatos pra caralho.
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Quem quiser ler a entrevista na íntegra, coisa que eu recomendo absurdamente, eu achei ela
aqui ó.