4.03.2008

 
Seguindo os conselhos da minha mãe, as histórias abaixo serão narradas com nomes fictícios. Mas os personagens e situações, por incrível que pareça, são reais.

O destino e suas fanfarras

Quem freqüenta este blog há certo tempo deve ter notado que eu cresci no Rio de Janeiro e, aos 11 anos de idade, fui arrancada do subúrbio coração da cidade maravilhosa para ser despachada nessa remota cidadezinha no interior da Bahia capital de Sergipe. Onze anos não foi tempo suficiente pra que eu criasse uma grande afinidade com ninguém, mas tive uma amiga de infância que resistiu ao tempo e às mudanças e até hoje faz parte das seletas pessoas mais importantes da minha vida. Vamos chamá-la de Jurema.

Jurema tinha um amor platônico de criança que foi crescendo junto com ela até virar aquela paixão monstruosa de adolescente que traumatiza nossa existência. Apesar de nunca ter visto a cara do rapaz, acompanhei com muitos detalhes todo o impacto que ele causava no coração e nos hormônios da minha amiga. Seja por carta, por telefonemas, ou nas minhas visitas semestrais ao Rio, ela sempre tinha alguma novidade pra contar sobre o (vamos chamá-lo de) Romildo.

Pelo que me parecia, o Romildo era daquele tipo de cara que carregava o carma de ser lindo, mas estava reprovando no teste. Sabe aquele naipe que aproveita a beleza da PEOR maneira possível? Daquele tipinho que acha que ser bonito já é suficiente e, por conta disso, não precisa ser absolutamente mais nada na vida? Pois é, ele não estudava, não trabalhava, não lia, não fazia porra nenhuma. Sua única atividade era gastar a mesada que recebia do pai (orgulhosíssimo da cria, por sinal) com baladas e motéis, arrasando corações por aí afora. Esse, claro, era o julgamento que EU fazia, de acordo com os depoimentos nada imparciais da minha amiga Jurema. Só sei que o Romildo era um verdadeiro filho-da-puta e, por aqueles motivos que só os psiquiatras e pastores explicam, a Jurema não conseguia tirar esse encosto da vida dela.

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Lá pelos meus 16 anos, numa dessas viagens ao Rio, fui passar um fim-de-semana na casa de uma prima mais nova. Querendo me entreter, ela me convidou pra conhecer o Fórmula, uma boite bombante da zona leste carioca. Como não tinha nada a perder, vamo nessa né? Na pior das hipóteses, renderia uma história. Chegando lá, me arrependi imediatamente. Pra começar, era uma matinê. Três, quatro anos não somam uma grande diferença de idade, mas aos 16 esse tempo é um verdadeiro abismo. A ponto de, na flor da minha adolescência, eu me sentir a TIA do recinto. Fora as músicas. Veja bem... funk carioca não começou no Bonde do Tigrão. Essa desgraça existiu desde sempre e eu, como carioca suburbana da gema (porém, “roqueira, com atitude, estilo e personalidade”), não me deslumbrava com as letras inusitadas, nem atribuía nada daquilo a um fenômeno sócio-cultural. Pra mim era música ruim e ponto final. E naquela época as letras nem eram tão engraçadas assim. A maioria falava sobre aquele cara que só quer ser feliz e andar tranquilamente na favela onde nasceu.

No tédio dessa fenomenal balada, entre hormônios ululantes descolados em clima de paquera, localizei um cidadão que desfalcava tanto do ambiente quanto eu. Um deus grego, pra falar a verdade. Lindo, loiro, alto, forte, olho verde, bem vestido. E estava LONGE de ser sub-15. Muito pelo contrário. Aquilo lá já devia ter idade até pra comprar cerveja nos Estados Unidos. Me perguntei o que ele poderia estar fazendo ali. Pagando promessa? Levando o irmão mais novo pra passear? Pesquisa de campo antropológica? Sei que pra minha surpresa AND alegria, ele começou a me dar mole. Muito mole. Chegou puxando assunto. Um assunto meia—boca, na verdade, mas quem se importa? Era um deus descendo do Olimpo com a missão de salvar minha noite. Não precisava dizer mais nada. Até que a parte cristã do meu cérebro foi ativada e eu lembrei que um mês antes de viajar pro Rio, havia entrado pro submundo das moças de família. Pois é, eu estava me iniciando nesse negócio de namoro sério e compromisso, com um aracajuano que só serviu pra pintar a primeira mancha no meu currículo. Mas até então ele era o amor da minha vida e eu não queria cair em tentação logo no começo do resto de toda nossa existência juntos. Ainda bem que essa existência só durou 9 meses, mas pra mim foi uma eternidade. Enfim.

Infelizmente tive que dar tchau pro deus grego, mesmo com muita dor no coração. Ele insistiu, insistiu... mas fazer o quê? Contrariando meu espírito ariano, eu sou fiel. Então fui catar minha prima e suas amigas pra ir embora daquela versão suburbana de Malhação, mas a desgraçada tinha sumido. E eu com cada vez mais ódio no coração, dando voltas e mais voltas ao redor da boite sub-15, nada de achar minha prima, música ruim alta dos infernos, pré-adolescentes bêbados por todos os lados, o desespero aumentando, as pernas formigando até que, ploft, tropecei e caí de JOELEO no chão. ÓTEMA maneira de encerrar o começo de noite. E eu nem tava bêbada. Levantei sem olhar pros lados pra não correr o risco de ver a pirralhada toda rindo da minha cara, ainda por cima. Daí surgiu uma mão cavalheira na minha frente, oferecendo ajuda para me erguer do vexame. Era o deus grego.

- Não fica sem graça não, gatinha...
- Tarde demais, hehehe
- Que nada, acontece...
- Comigo acontece com muita freqüência. Já to acostumada, sou muito estabanada.
- Aí, ta vendo só? Acho que é o destino que fez a gente se encontrar de novo...

Ok, a cantada era feia, mas quem se importa? O cara era lindíssimo AND gentil. Só que eu ainda tinha o mesmo namorado que tinha há meia hora atrás. E tornei a dispensar. Até que ele me puxou pelo braço e disse, com todo aquele sotaque carioca cafageste:

- Vem, cá, gata... Você ta me dispensando, mas é só porque tu tem namorado mesmo né? Você é muito apaixonada por ele, né?
- Anh?
- Porque, tipo assim... Se tu não tivesse namorado tu não ia me dispensar não né?
- Que?
- Porque, pô... tu me achou bonito, não achou? Hein? Hein?

Ai minha nossa senhora das vaidades! O cara provavelmente nunca tinha tomado uma dispensada NA VIDA e aquilo mexeu TANTO com o ego dele, que ele precisava ter CERTEZA de que eu SÓ não ia ficar com ele porque estava comprometida. Se fosse hoje em dia eu cairia na gargalhada e faria uma piada de meia hora de duração, mas naquele tempo, o melhor que consegui pensar foi:

- Nem tanto. Meu namorado é muito mais bonito.

Nem era, mas porra... Pelo amor de deus né? Brochada total. Pelo menos me ajudou (BASTANTE) a resistir à tentação de trocar uns fluidos salivares com ele. Passou tantas vezes na fila da beleza que esqueceu de passar na da auto-estima? O cara precisa ser idolatrado e comer todas pra garantir a auto-afirmação? Ah, vai pastar, mané!

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No dia seguinte, fui correndo na casa da Jurema narrar a minha matinê bombante. Ela ouviu toda a história estranhamente séria e no final perguntou qual era o nome do indivíduo. Eu disse que nem sabia se ele tinha falado, mas que mesmo que tivesse não lembraria e tal... Enquanto isso ela foi na gaveta, puxou um álbum, me mostrou a fotografia de um loiro sarado de bermuda e perguntou: “Por acaso é esse aqui?”

CARALHOS VOADORES! Não é que o cara era o Romildo??? Brother, qual é a probabilidade disso acontecer?? Eu encontrar o amor da vida da minha melhor amiga numa MATINÊ do OUTRO LADO DA CIDADE e ele dar em cima de mim DUAS VEZES?? A explicação da Jurema foi imediata. Segundo ela, ele adora menininhas de 13 anos, então não tem nada de surpreendente no fato dele freqüentar as matinês mais badaladas do momento. Mas pô... mesmo assim... Ainda acho que a probabilidade de eu ter ganho na mega-sena era maior do que de ter vivido essa situação GROTESCA, até porque eu nem tinha cara de 13 anos. E ainda serviu pra confirmar a minha opinião sobre o Romildo: um retardado. Mas o pior é que a Jurema ficou chateada COMIGO! Depois passou, ela viu que realmente não tinha o MENOR CABIMENTO ficar magoada por isso. Foi apenas mais uma piada do Senhor do Destino que, pra quebrar o tédio, me enfiou em mais uma cocó, como ele sempre faz.

Bem, os anos passaram e hoje minha amiga é mãe de família, tem um marido ótimo e uma filha linda. Eu tenho um namorado maravilhoso e que, agora sim, é realmente mais bonito e gostoso do que o caçador de ninfeta. Quanto ao Romildo... Eu espero que aquele loser tenha sofrido um acidente e ficado careca, perneta e com a cara desfigurada. Zé Mané do caralho.
posted by Arlequina @ 9:55 AM  
 



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