"Aqui tem João-de-Barro, Pintassilgo, Pinta-roxo, Pica-pau e Colibri Aqui tem Canário-belga, Araponga, Açum-preto, Curió e Bem-te-vi Aqui tem tanta Andorinha, Cambaxirra, Quero-quero, Rouxinol e Juriti
Que servem de tiro ao alvo Para espantar o tédio E o vazio do existir
Pá Pá Pá
Matador de passarinho (BUM) Matador de passarinho... (BUM) Matador de passarinho..."
(Rogério Skylab)
Tenho uma doença meio incurável chamada baixísima tolerância à estabilidade. Os sintomas são enjôo, surtos psicóticos e bipolaridade leve.
É um enjôo pior do que gravidez. Tudo me enjoa depois de duas ou três repetições. Tudo. Pessoas, comida, bebida, sapato, cabelo, apelido, música, época, piada. Sabe aquela galera que tem uma piada interna, que fica repetindo over and over again? Tipo “um jargão da galera”? Isso me enjoa. Pessoas que criam uma gíria específica e ficam repetindo sempre, como uma característica peculiar, me enjoam. Família me enjoa. Escola me enjoa. Livro, história, fofoca me enjoam. Trabalho me enjoa. Conversa me enjoa. Enjoa ao ponto de ficar insuportável. Enjoa ao ponto de um dia eu acordar e sair quebrando tudo ao invés de tomar café da manhã. E é um espetáculo lindo de se ver. A galera vibra, todo mundo se diverte (confesso que até eu). É Shiva dançando, o caos pululando, as coisas todas voando em volta de mim, um verdadeiro ballé do apocalipse. É assim que me sinto bem e não consigo me controlar quando as coisas estão lindamente nos seus respectivos lugares.
Meus melhores amigos admiram isso. Dizem que eu sei viver. Que tenho atitude, que sei sobreviver como ninguém às mudanças radicais que a vida dá. O que eles não vêem é que isso é doença. Do-en-ça. Não é que eu saiba lidar com o caos. Eu sou dependente do caos. Eu não sei viver sem o caos. Eu chamo o caos pra mim. Só pra eu ter o trabalho de lidar com ele. O que eu não sei, meus queridos, é lidar com a falta do caos. O que mais me assusta no mundo é o tédio, é a repetição, a estabilidade.
MEDO de estabilidade.
MEDO.
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