Eu não sou chicana não
Norma é uma mexicana baixinha retada da peste que trabalha comigo. Adoro. Noutro dia ela tava me perguntando por que andei sumida. Eu disse que tava em New Orleans e que ela teria que sobreviver sem minha presença mais um final-de-semana no fim do mês porque garota eu vou pra Califórnia. Então Norma se espantou como eu tenho coragem de gastar tanto dinheiro viajando. Expliquei que não gastava tanto dinheiro assim, que tinha um jeito de viajar bem barato e, além do mais, todo esse tempo que passei trabalhando aqui juntei uma grana boa pra esse objetivo: surfin' USA. E ela me deu um sermão (!) dizendo que eu deveria pensar no meu futuro e guardar o meu dinheiro. Pro caso de um dia eu querer casar, ter uma família, comprar uma casa bem grande, então eu teria dinheiro suficiente.
q.
- E você guarda o seu dinheiro, chiquita? - Guardo. Guardo tudo que posso. - Pra quê? - Pra criar meu filho com dignidade. Além do mais quero ter mais dois. Ou três. - Que maravilha! Que bom que você quer ter o máximo de filhos que puder, mas eu não quero ter filho nenhum. Eu quero ter o máximo de fotografias que puder no máximo de lugares no mundo que eu puder. E aí? Dá licença?
Aqui se ganha por hora, então quando você chega no trabalho bate o ponto e começa a "fazer dinheiro." Depois de quatro horas trabalhadas, você tem direito a um intervalo de meia hora, aí tem que bater o ponto de novo e "sair do relógio" pra Companhia não te pagar enquanto você tira esse intervalo. Mas o que é bonito, é que a maioria do pessoal no restaurante trabalha sete, oito, dez horas sem parar pra tirar o intervalo, só pra não precisar gastar aquela preciosa meia hora - durante a qual poderia estar ganhando dinheiro! - com coisas supérfluas como comer.
Aí anteontem, depois de quatro horas de batente, eu tava com fome, mas duas bussers tinham chegado antes de mim: Jordan, uma americana, e Normita. Como boa colega de trabalho que sou, fui perguntar se elas queriam tirar o intervalo e elas disseram que não. Aí beleza, fui lá bater meu ponto e comer minha linda BJ's Cobb Salad. To eu fazendo a minha refeição tranqüilamente enquanto converso com o Team Work Star Member (porque agora somos brothers e ele me paquera e eu dou trela prontofalei) no que vem o gerente e diz:
- Deborah, você está tirando o seu intervalo? - To. - Mas sabia que duas colegas suas chegaram antes de você e ainda não tiraram o intervalo delas? - Sabia. Mas eu perguntei e elas disseram que tudo bem, que não vão tirar intervalo hoje. - Isso quer dizer que elas são trabalhadoras mais esforçadas do que você né?
Q!!!!
MAS É CADA UMA!!! Comassim, cara?? Eu disse "Ou quer dizer que elas não tão com fome e eu tô", mas a minha vontade era de responder "Não, manager desgraçado, explorador, filho de chocadeira coorporativa. Isso quer dizer que eu não sou mexicana nem americana, e que nós, brasileiros, esse povo sambista DOIDO, trabalha pra poder comer e se divertir. Porque se a gente não pode comer e nem se divertir, não faz o MENOR sentido trabalhar. Na minha terra, passar fome é sinal de não ter emprego, e não o contrário. Asshole."
Essa foi uma das muitas vezes que tive vontade de me demitir, mandar todo mundo à merda e dizer que essa gente workaholic é tudo maluca e não sabe viver, mas quando lembro que ainda tenho mais lugar pra conhecer e mais viagem pra fazer, engulo o sapo e "entro no relógio" de novo. Mas é por pouco tempo. Já já eles assinam minha alforria. Já já.
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Já dizia o filósofo Raphael: "Comer e viajar são as quatro melhores coisas do mundo." |