Amizade de segunda – parte 1
A minha conversa com o meu psicoterapeuta publicada no post abaixo dá toda a explicação introdutória do episódio que vou narrar. Mas, em minha defesa, preciso ressaltar que não sou essa mané toda com qualquer coleguinha. Digamos que existem umas três ou quatro pessoas com esse poder de hipnotizar meu Zé Pelintra e fazer florescer a SANTA que há dentro de mim. O Anderson está entre elas. Ajuda o fato de que há uns 3 anos não nos vemos e da última vez nos despedimos brigados (eu não me lembro bem o motivo, mas ele insiste que a culpa foi minha). Então, além de bajular esse mariquinha naturalmente, ainda havia certa sensação de dívida a pagar, que ele sabiamente implantou na minha cabeça pra usar num momento oportuno como este.
Resignada e com um carma a cumprir, acordei cedo em dia de chuva e saí rumo à fila quilométrica pra comprar ingresso pro Vasco e Ipatinga (QUEM?). O motivo da multidão sedenta por ingresso não é necessariamente o Vasco ser o time mais popular do Rio de Janeiro (até porque não é), mas esse seria um jogo de comemoração de 111 anos que o Vasco não ganha um título de aniversário do time. Meu irmão, que é legal às vezes apesar de vascaíno, ficou com peninha do metrô lotado que eu teria que encarar e se ofereceu pra me levar de carro ao clube do Fluminense, um dos pontos de venda. Pensei “Opa, maravilha, chego lá em vinte minutos, levo meu mp3zinho pra suportar uma hora na fila, o céu ainda tá só nublado, nem vai doer.”
Acontece que a Avenida Brasil estava engarrafada. Aliás, não apenas engarrafada. Estava parada, travada, congelada. A única coisa que se mexia ali eram os vendedores ambulantes de Biscoito Globo, que tiveram tempo de andar de ponta a ponta da avenida umas vinte vezes, enquanto os carros andavam uns 2 quilômetros a cada cinco horas. Quase que a gente fez as três refeições do dia compostas apenas de Biscoito Globo.
Enfim chegamos ao Fluminense. Meu irmão - que tem o gene da bondade, mas não o da otarice - me largou lá e foi embora. CLARO que nesse momento começou a chover. A fila nem tava tão grande, então AINDA MANTIVE O BOM HUMOR e segui em frente. Menina prevenida que sou, fui logo perguntar ao segurança se aceitavam Visa Electron, porque quem circula no Rio tem esse costume de não carregar na carteira pouco mais dos dez reais que a gente tem que dar pro ladrão em caso de assalto. Ele disse que sim, aceitavam Visa Electron. Abro meu guarda-chuva e me instalo no fim da fila. Quarenta minutos de dilúvio depois, chego ao caixa e a mulher diz que não aceita meu documento de meia entrada não. Então eu começo a perder o bom humor, porque dar dez reais pro Vasco ainda vai, só que VINTE já seria sacanagem. Reclamo, xingo, choro, chamo a caixa do lado, finjo que não percebo que todos os vascaínos do mundo querem me bater por ter travado o andamento da fila e finalmente convenço a mulher de me vender duas inteiras e uma meia. Aí estendo meu cartão pra pagar pensando “ufa, acabou!” quando ela me diz “Ah, a gente não aceita Visa Electron não!” TÁ DE SACANAGEM COM A MINHA CARA! Me dirijo ao mesmo segurança reclamando do absurdo, da injustiça, da desinformação, do desrespeito, da imoralidade, do senado, da crise nos EUA, da gripe suína, do descongelamento das geleiras. Até que ele fala “Calma. Você dobra ali à ixquierda na rua das Laranjeiras, anda um pouquinho e tem um Banco do Brasil. Aí você volta, fala comigo e vem direto pra esse caixa sem passar na fila de novo, ok?” Ta.
Sigo eu rumo à rua das Laranjeiras (só pra lembrar, DEBAIXO DE UM DILÚVIO), em busca do Banco do Brasil. Aí ando. Ando. Ando. E NADA DE BANCO! Nem do Brasil, nem 24 horas, nem caça níquel, NADA. Vinte minutos de caminhada depois, surge uma agência. Saco a porcaria do dinheiro e faço todo o percurso novamente (só pra lembrar de novo, DEBAIXO DE UM DILÚVIO). Olho pro segurança com uma cara de bandido da luz vermelha e ainda escuto “Nossa, você demorou!”. Eu resmungo que o banco não era exatamente “logo ali”. Então ele fala “Ué, mas virando ali À DIREITA tem uma agência! Tenho certeza!” Respirei fundo (pelo menos o mais fundo que o meu nariz entupido permitiu) e me dirigi ao caixa. Obviamente o pessoal da fila não sabia do meu combinado com o energúmeno do segurança e achou que eu tinha passado direto porque sou um charme de nariz escorrendo, tênis eslameado e capuz pingando. E começou a protestar em voz alta, muito alta. Ignorei e deixei que o segurança descascasse o abacaxi sozinho, porque eu já tinha tossido tanto que estava rouca e, mesmo se não estivesse, não gasto voz me explicando pra quem torce pra time de segunda divisão.
Comprei a porcaria dos ingressos e mandei a mensagem pro celular do meu amigo avisando que ele e a namorada podiam vir e, de preferência, trazendo um milhão de dólares pra me pagar de indenização por danos físicos, morais e psicológicos. Só o processo de comprar os ingressos foi tão estressante que eu SEQUER me dei conta de que o pior ainda estava por vir: O JOGO NO MARACANÃ! Mas isso é assunto pra segunda parte. |