6.08.2007

 
Depoimentos de uma cineasta wannabe

Estava eu empolgadíssima com a monografia quando de repente cai na minha cabeça a oportunidade de brincar de cineasta. Claro que a mono ficou temporariamente entregue às moscas, coitada. Porque não é todo dia que chamam a gente pra fazer parte do maravilhoso mundo dos egos inflados do cinema. Então não pude recusar um convite pra participar de uma turma de roteiro cinematográfico, num curso oferecido por um órgão da Prefeitura em parceria com o Governo Federal.

Minha surpresa começou no primeiro dia de aula. Me deparei com um professor de senso de humor estranhamente despretensioso, que repetia sempre um sermão muito desconcertante cujo conteúdo desmistificava o conceito de criatividade de todos aqueles que se consideravam grandes gênios. “De que adianta você se achar o máximo por ter descoberto a fórmula da penicilina? A penicilina já foi descoberta há muito tempo, cara. Pára de querer descobrir e vai estudar pra saber o que já foi descoberto, primeiro.” Que coisa, não? “Lembrem do seguinte: toda turma de cinema faz um filme sobre suicídio. Sempre o mesmo clichê do suicídio. Seeempre suicídio. Chega de suicídio!”. Veja só que legal. E eu que, humilde leiga, nunca entendi a cabeça desses roteiristas que adoram fazer os próprios personagens cortarem os pulsos. Existe roteirista profissional que também não entende. Ótimo.

De quinze alunos, apenas um era “gênio” e tinha muitas e muitas verdades pra dizer. Uma proporção considerável. Os outros eram agradáveis mortais que estavam dispostos a aprender, a ouvir e a debater. Aos poucos fui socializando com a turma. Nesse processo tive outra surpresa: um pequeno rapazinho de apenas dezoito anos com um campo de visão e uma sensibilidade fora de série. O que me fez sentir muita vergonha da pessoa abestalhada que fui quando tinha dezoito anos. E muita curiosidade sobre o que ele vai ser quando tiver vinte e poucos. Provavelmente muito melhor do que eu. Reencontrei ainda uma antiga rixa que outrora fora causada por um bafafá envolvendo showbusiness e tomação de dores de grandes amigos. Depois de certo tempo de curso e alguma insistência, até isso foi deixado pra lá. Afinal de contas, conforme já refleti, as pessoas costumam mudar consideravelmente dos dezoito pros vinte e poucos (eu que o diga). No balanço geral, gostei muito da turma. E vocês que acompanham este blog sabem que eu não costumo gostar de muitas coisas.

Depois de um mês e meio enfurnados na sala sendo encorajados a botar idéias e mais idéias pra fora, tivemos que fazer um projeto final: um roteiro simples que seria filmado em um único dia por alunos das turmas de direção, fotografia e produção. Acontece que nenhum dos roteiristas sequer havia pisado num set. O que dificulta muito a visão do que pode e o que não pode ser feito em um único dia. Então tive um surto de criatividade causado pelo peso na consciência por ter abandonado (temporariamente!) a monografia, e escrevi uma história sobre uma obreira de igreja evangélica que se apaixona pelo pastor casado e procura uma mãe de santo a fim de fazer um trabalho pra pegar o cara. Cheguei lá orgulhosíssima das minhas dezessete páginas cheias. No que o professor pega e diz “Ta muito grande. Tem que ser no máximo oito”. OITO????? Mas como assim??? Quem consegue contar uma história em um roteiro de OITO páginas??? No que me aparece o rapazinho de visão dizendo “Eu contei em quatro”. Ok. Fazer o quê? Lá vou eu reescrever tudo. Depois de muitos e muitos cortes, o roteiro foi levado à turma de direção, onde sofreu mais cortes e logo em seguida à turma de fotografia onde foi completamente retalhado.

Revoltadíssima com tanta gente metendo a mão na minha história tão linda, tudo começou a fazer sentido no momento em que as produções começaram. Realmente, um dia é pouco, muito pouco, (mas vocês não fazem IDÉIA do quanto é pouco) pra fazer um filme coerente. O tempo corria sempre contra a gente. E todo estress que tem num set de filmagem, sobre o qual muito se ouve falar, definitivamente não é mito. A tensão que começou na pré produção durou até o último minuto da edição e o clímax foi justamente na hora das filmagens (com direito a ex-fumante, orgulhoso de ter se livrado do vício há muitos anos, pedindo cigarro e tudo).

Então fomos editar o filme. Pra nossa alegria, a fita embolou e detonou uma cena. Não, não dava tempo de fazer de novo. Já era, adeus cena. Perdeu, preiboy. Ok, editamos as que sobraram. Briga pra escolher a trilha. Mais tensão. Sermão do professor sobre espírito de equipe. Sermão do editor de áudio sobre fazer silêncio na sala dele enquanto ele trabalha. Mais divisão de prejuízos por conta de um acidente envolvendo uma vela vermelha e uma saia cigana feíssima, cara e emprestada, que nem se quer apareceu no filme. E aí? Tudo pronto? Vamos assistir o filme? Vamos. Vamos comentar o filme? Vamos. Então eu começo: Adoraria se tivessem olheiros do Hermes e Renato na festa de lançamento.

Não sei se meu comentário agradou muito, mas paciência, o filme também não me agradou. Assim... De cera forma até que... Hum... Digamos que adoraria vê-lo passando na MTV à noite, mas nunca mandaria prum festival de curta-metragem. É isso. Mas o bonequinho aplaude de pé a atuação. Tive muito orgulho dos atores que deram vida aos meus personagens. Muito mesmo. Todos estavam perfeitos.

No dia da festa de lançamento o público está bombando com a proposta de unir a sétima arte com coquetel de graça. O nosso era logo o primeiro dos cinco que seriam exibidos. Nervosismo, muito nervosismo. Mas eis que em determinadas cenas, onde nada havia de cômico além da situação realmente imaginada para o filme (que, claro, era uma comédia), as pessoas riram com as falas que eu criei. Bem, acho que isso basta pra realização pessoal de uma roteirista. Por hora, bastou.

E depois de muito, muito estress, muito muito gasto de dinheiro, de pulmão, de energia e de paciência, no fim das contas o mais importante na festa de lançamento não eram nem os trabalhos finais. Mas sim o clima que pairava lá, onde de repente todo mundo do curso queria fazer um filme. Com mais tempo, com mais calma, com mais afinidade, com mais liberdade... Eu e um colega de fotografia, inclusive, já marcamos reunião pra discutir nosso próximo trabalho: a filmagem de um roteiro que está em fase de elaboração, inspirado em dois contos do professor de senso de humor estranhamente despretensioso que encoraja o verdadeiro aprendizado e é totalmente contra à viagem na maionese e ao suicídio.

Entrei no curso achando que ia ser intimidada pelo mito do cineasta intelectuialóide. O que encontrei foram grandes colegas com uma enorme capacidade criativa, dispostos a superar todas as dificuldades (que são tão maiores do que eu imaginava) motivados simplesmente por uma incontrolável vontade de fazer cinema.

De repente me deu até vontade de mudar o tema da minha monografia. Mas creio que é tarde demais. Merda.
posted by Arlequina @ 1:09 PM   0 comments
 




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"Em qualquer terra em que os homens amem. 
 Em qualquer tempo onde os homens sonhem.
 
                                                        Na vida."

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