O deslumbre de ser redatora numa agência já tinha passado. Agora eu queria ser redatora numa agência LEGAL, e um chefe que me pergunta na entrevista de emprego se eu fosse um animal que animal eu seria, jamais poderia ser dono de uma agência LEGAL. Foi um bom começo, mas tava na hora de mudar de emprego. Aí o céu me joga uma entrevista.
Eu tava subindo a escada rolante da Galeria Ouro Fino imaginando como ficaria pobre, muito pobre, caso desse certo. Quem consegue trabalhar cercada de tantas lojas espetaculares todos os dias? Não dá pra se concentrar no que ta fazendo quando tem a caneca mais cool do mundo na loja do lado, a bota mais sensacional do universo no loja de baixo, um boneco de pano do Woody Allen na loja da frente, não dá.
Começa a entrevista e eu nervosa e gelada como quase todo mundo fica em entrevista. Pelo menos dessa vez eu imaginava que meu possível futuro chefe não perguntaria que animal eu seria, já que o nome da agência em si era um animal, e um chefe que é dono de uma agência com nome de animal dificilmente faz perguntas idiotas.
Você é pilhada? ele perguntou. Eu disse anh? Ele repetiu pilhada. Eu disse que sim, que era pilhada, até demais se for parar pra ver, por que, era um defeito? Ele disse que não, que tava procurando gente pilhada. Desci a escada rolante imaginando como a partir de segunda estaria pobre, muito pobre e com milhares de novos sonhos de consumo.
Passados dois meses, a caneca virou só uma caneca, o boneco de pano do Woody ficou caro demais, o gatinho tatuador ficou meio esquelético. A agência ainda era legal, mas corria o risco de deixar de ser a qualquer momento. Sorte que eu não estava pensando muito nela, porque o problema agora era o apartamento onde eu estava morando, que tinha virado só um dormitório barulhento cheio de gente nada a ver e boring.
Por isso esqueci que queria um apartamento pequeno perto do metrô quando encontrei essa casa na Zona Oeste onde já moravam uma carioca cineasta e um cachorro Beethoven. Foda-se o metrô, eu ia morar na casa mais legal do mundo, teria um quarto só pra mim, pintaria uma parede de vermelho e veria muitos filmes com a cineasta carioca e o cachorrão lindo.
Aí, no meio do show da Buena Vista Social Clube, a Dea (a cineasta carioca tem nome), apontou pra faixa gigante pendurada no palco que dizia Prefeitura de São Paulo Virada Cultural. E disse Olha a faixa! Eu disse anh? E ela disse Olha a faixa! Prefeitura de São Paulo. E eu disse anh??? E ela disse É que de vez em quando é bom lembrar. Olha em volta. Você tá aqui.
Caralho. Eu tou aqui. Eu moro em São Paulo. A Estação da Luz virou o lugar que vai ter o show. A Galeria Ouro Fino virou o lugar que eu trabalho. O quarto da parede vermelha virou o meu quarto com a parede que eu mesma pintei. Eu sou redatora. É isso. Deu certo. E não posso esquecer o quanto é legal. Não vou.
Valeu, Dea.