1.27.2010 |
Hoje acordei meio fascista
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Já tive problema com fãs anônimos quando tinha uns 18 anos. Foi tudo muito divertido, mas atualmente prefiro outras brincadeiras. Agora os comentários são moderados. Isso quer dizer que só aparecerá aqui o comentário que eu quiser - e é claro que darei preferência àqueles que exaltem o quanto sou fantástica, talentosa e maravilhosa. Inclusive, eu mesma até escreverei alguns.
A boa notícia é que eu continuarei lendo tudo que for escrito e, eventualmente, chorarei escondida sozinha no meu quarto caso alguma crítica me abale. Mas acho que sem auditório não é tão divertido né? |
posted by Arlequina
@ 11:54 AM
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1.22.2010 |
A quem interessar possa
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Eu não gosto de você. Não é nada pessoal. Ambas sabemos que defeitos todo mundo tem, inclusive eu. E esse mesmo mundo cheio de defeitos é testemunha do seu descomunal esforço para me agradar, conquistar minha amizade, despertar meu respeito e me contagiar com a sua alegria de viver. Se você não conseguiu, não se culpe (e aposto que não o faz). Deixa que esse carma eu carrego. Sou ingrata e não gosto de você.
Não gosto do seu sorriso. Digo que tenho certa resistência a sorrisos que não me convencem, mas longe de mim desconfiar da sua felicidade tão autêntica! Se não gosto, é somente porque ainda não cheguei a tal grau de evolução, ou talvez a vida não tenha dispensado a mim os mesmos bons tratos com os quais te agraciou. Então admito que você tem motivos de sobra para sorrir e por isso o faz. Mas - perdoe a minha inveja - seu sorriso me lembra que eu, desprovida de generosidade, teimo em reservar o meu pra ocasiões especiais. Não gasto minha alegria, pois ela é coisa rara. Não gasto minha simpatia, pois ela não custa barato. Não sou alegre o tempo inteiro, porque dá trabalho e tenho preguiça. A sua disposição em ser feliz me causa certo desconforto.
Também não gosto da sua inacreditável capacidade de estabelecer conexões intensas. Meu deus, quantos amigos você tem! Que lindeza! Todos te admiram, todos te cumprimentam, todos te congratulam, todos os dias alguém tem um motivo especial para te mandar alguma mensagem de feliz natal, feliz ano novo, feliz páscoa, feliz mardi gras, feliz hanuká. Com tanta gente te desejando tanta felicidade, não é de se espantar que a fagulha boa do Universo escute e te atinja de fato, acendendo aquele seu sorriso constante sobre o qual falei agora pouco. Mais uma vez, minha desamada, te invejo. Quisera eu que meus olhos tivessem sido confeccionados pela Divindade com as mesmas lentes usadas nos seus. Ao contrário, ganhei a lupa da desconfiança. Estou sempre assim, preparada pra encontrar o tédio e a mediocridade como regras primordiais em qualquer relacionamento que me brote no caminho – sendo somente alguns casos destinados à fina prateleira da exceção. O mesmo mundo que te deslumbra me cansa.
O que mais me incomoda nisso, anjo nosso, é que você não se limita apenas ao mundo. Você também quer me perceber sob seu prisma tão colorido de amor e misericórdia. Eu digo que não sou merecedora de tantos elogios, que a beleza que você vê em minha alma está na indulgência dos seus olhos. Mas você é bondosa demais para aceitar isso. Ao contrário, teima em me desenhar muito mais linda e cheia de brandura do que de fato sou. Então me encontro sempre na cansativa posição de reforçar a todo momento que sou mesmo tão pútrida, mas tão pútrida, que nem tenho o pudor de negá-lo. Ainda assim, minha falta de constrangimento pela fetidez do meu espírito é sempre interpretada pela sua benevolência como modéstia. A sua compaixão me desgasta.
E é justamente por esse seu naturalíssimo instinto maternal dispensado a todos os seres como se eles fossem crias do seu ventre, que você, além de ser impedida de enxergar quaisquer dos meus terríveis defeitos, ainda acredita saber tudo que se passa no meu interior e todas as curas para as inúmeras mazelas da minha alma. Seus conselhos cheios de zelo sobre os caminhos que devo tomar me irritam. Seus incansáveis alertas sobre inquietações e questionamentos da minha intimidade - que sua enorme sensibilidade tornou-lhe mais capaz do que eu mesma de reconhecer - me enfurecem.
Sinto-me como uma velha ranzinza invejosa da sua jovialidade, ingenuidade e nobreza de espírito. Como você é boa e humilde! E isso é tão evidente que, conforme você mesma faz questão de ressaltar, todas as rodas comentam a luminosidade da sua aura. Quisera a Providência Divina ter seguido seu exemplo de generosidade e espalhado mais seres com tamanha luz neste mundo. Infelizmente, por motivos que sou ainda muito pequena para decifrar, Ela balanceou a existência com alguns toques de escuridão e, para o meu azar, minha alma foi se formar justamente neste magote. Sei que sua imensa capacidade de compaixão pode até reconhecer que sou vítima de um infeliz acaso e perdoar minha vileza. Mas não peço que me perdoe. Não sou digna de pedi-lo.
Por isso recolho-me à solidão - esse calabouço dos ingratos! – e afasto-me para nunca mais correr o risco de abusar da sua descomunal benevolência.
Adeus. |
posted by Arlequina
@ 11:12 AM
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1.14.2010 |
classe x laboratório
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Há séculos essa pergunta assola minha noção de humanidade: o que é educação e o que é condicionamento? Por exemplo. Dizer “bom dia” e “oitudobom” é um ato gentil de fineza que demonstra atenção para com as pessoas ao seu redor OU uma coisa que acostumamos a dizer toda vez que chegamos ao trabalho que nem ratos de laboratório que, de tanto repetir o caminho recepção-bom-dia-cafeteira-enche-a-xícara-sala-de-criação-bom-dia-senta-na-cadeira-bota-a-xícara-na-mesa-liga-o-pc-trabalha, acabamos condicionados a fazer tudo no automático?
Ontem no metrô tive uma epifania que mudou a minha vida.
No Rio tem aquelas poltronas especiais reservadas pra idosos, grávidas, etc, blá blá. Tem pra enfeitar. Ninguém respeita. Esteja o metrô vazio, ou em clima de vamos todos pro campo de concentração, velho que entra em pé permanece em pé. Isso é falta de educação.
Em São Paulo, assim como no Rio, existe o mesmo tipo de poltrona. O interessante daqui* é que absolutamente NINGUÉM com menos de 60 anos, de útero vazio e pernas em condições saudáveis, senta. Ninguém. Se não tem demanda pra essa poltrona no metrô, ela permanece vazia, mesmo que tenha gente em pé. Certa feita, arrisquei quebrar o paradigma e fui imediatamente reprimida pelo meu amigo paulista: “EI! Essa poltrona é pra velho!” Argumentei que não havia qualquer velho no vagão e, caso algum entrasse, eu vagaria o assento imediatamente. Mas a galera me olhou com uma cara tão estranha que eu fiquei com medo de pararem o metrô e aquela voz misteriosa que diz as estações começasse a declamar os Direitos Humanos, e a galera me linchasse e eu fosse escorraçada de metrô e esquartejada e meus órgãos expostos em praça pública sob uma faixa com os dizeres “tomadora de lugar de velhos no metrô.” Levantei. Mas, ao descer na estação mais cheia de São Paulo, percebi que uma muvuca se acotovelava pra subir a escada rolante (afinal de contas paulista precisa fazer tudo muito rápido e na frente de todo mundo) e todos os velhinhos que viajaram sentados, agora eram empurrados, chutados, pisoteados, arrastados, sem a menor dó. Conclusão: o respeito ao assento preferencial no metrô de São Paulo é educação? Não. É condicionamento.
E educação, o que é? Até agora não achei nenhum exemplo relevante. Deve estar em falta.
*A quem interessar possa, Iemanjá levou a sério as 27 ondinhas que pulei este Réveillon e atendeu meus pedidos. Isso significa que agora esta Arlequina tem como cenário o lugar perfeito pras suas palhaçadas: Arlequinal, SP. |
posted by Arlequina
@ 9:35 AM
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