3.10.2010 |
É tudo baiano*
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Quando eu morava em Aracaju, pequena província de uma grande região do Brasil localizada acima do Rio de Janeiro chamada Bahia, eu tinha um simpático jegue chamado Juremar.
Certa feita, quando eu ouvia o programa do Mussão no rádio, mainha me chamou e disse que o Juremar estava doente. Imediatamente desabei em profundo desespero, uma vez que o carnaval se aproximava e eu precisava do Juremar pra chegar à capital do Nordeste – a saber, Salvador – pra sair fantasiada de filha de Gandhi no bloco da Cláudia Leitte. Juremar era meu único meio de transporte, não poderia perdê-lo.
Então fiz uma promessa ao Padinho Padim Ciço para que o Juremar ficasse curado antes do carnaval. Jurei ficar até quarta-feira sem comer acarajé, vatapá e tapioca. Praticamente morreria de fome, diante da falta de opções pra minha alimentação diária. Mas Padim Ciço atendeu às minhas súplicas e colocou o bom Coronel no meu caminho. O meu benfeitor deu ordem pros seus jagunços transformarem Juremar num trio-elétrico que só tocava axé e assim cheguei a Salvador em grandessíssimo estilo.
Por isso gostaria de agradecer a mainha, a Mussão, ao Coronel, a Juremar, a Cláudia Leitte, a Padim Ciço e todos aqueles que fazem da Bahia a região do Norte do Brasil mais rica em cultura, beleza e arte, terra de gente esforçada, trabalhadora, alegre e festeira.
Obrigada.
*Conto meramente fictício, dedicado a todos os meus novos amigos paulistas que possuem uma visão levemente limitada do Nordeste e tudo que há nele. |
posted by Arlequina
@ 3:56 PM
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3.04.2010 |
Não virarei paulistana.
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Não torcerei pro São Paulo. Nem pro Corinthians, por mais que simpatize com este.
Não sairei correndo pra pegar o metrô se sei que vai passar outro daqui a 30 segundos.
Não deixarei de entrar no metrô vazio só porque não tem lugar pra ir sentada e vai passar outro ainda mais vazio daqui a 30 segundos.
Se, quando estiver na porta do metrô, por qualquer motivo que seja, eu resolver não entrar no veículo, darei meio passo para o lado pro caso da pessoa atrás de mim não ter tomado a mesma decisão e quiser embarcar.
Não esquecerei que existe alguém atrás de mim.
E na minha frente.
E ao meu lado.
Não atravessarei a rua fora da faixa e nem com o sinal aberto caso não esteja com muita pressa de chegar ao outro lado por um motivo plausível.
Não irei à Vila Country.
Não irei à DJ Club.
Não irei à Galeria do Rock.
Não irei ao samba de salto alto ou sapato fechado.
Não gastarei 25 reais só pra entrar num samba.
Caso vá ao samba, sambarei.
Não trabalharei quarta-feira de cinzas.
Não precisarei ressaltar que jamais trabalharei no Carnaval.
Não pagarei mais de dez reais em nenhum drinque.
Não usarei tallier antes dos 40 anos de idade.
Não surtarei toda vez que vir uma praia.
Não levarei trabalho pra casa desnecessariamente.
Não sonharei em ter um carro pra ficar presa no trânsito todo dia.
Não irei ao banco no meu horário de almoço.
Não enaltecerei o movimento hip hop.
Não voltarei a fumar.
Não falarei “vou estar qualquercoisanogerúndio”.
Não desejarei ficar rica a qualquer custo antes dos trinta.
Não desejarei ficar rica a qualquer custo hora nenhuma.
Não comerei miojo no almoço enquanto discorro sobre os restaurantes gourmets finos da Vila Olímpia que freqüento aos finais de semana.
Não viverei apenas aos finais de semana.
Não chamarei nordestino de baiano, salvo aqueles que realmente nasceram no Estado da Bahia.
Não corrigirei quem chama paulistano de paulista, porque saberei para sempre que quem nasceu na cidade de Guarulhos, Campinas, Alumínio, Bananal, Osasco, São Paulo ou qualquer outra cidade dentro do Estado de São Paulo, é paulista. Assim como todos que nasceram dentro do estado da Bahia são baianos. Assim como todos que nasceram dentro da região do Nordeste são nordestinos.
Não deixarei de pôr ketchup na minha pizza porque a pizza que eu comprei, seja da Sadia ou do melhor chef descendente de italiano do Universo, será consumida por mim da maneira que eu bem entender.
No mais, continuarei odiando calor, adorando elegância, implorando por enxurradas de referência cultural, falando da Semana da Arte Moderna como o evento mais importante da história cultural brasileira, andando a pé bem rápido, tomando muito café, correndo atrás de prazo, exigindo que o sushi seja delicioso, amando cinema, odiando mato, preferindo luz elétrica à luz do sol, reclamando que não tenho tempo pra fazer nada que gosto mesmo sabendo que quando tenho tempo de sobra, a sobra logo se transforma em tédio e arranca o sentido da minha vida.
Em prol da manutenção da minha identidade, bem como da minha sanidade mental, prometo seguir à risca cada uma dessas linhas. |
posted by Arlequina
@ 11:46 AM
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3.01.2010 |
A culpa é sua
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Hoje, logo cedo, enquanto cumpria minha cota de procrastinação virtual diária, tive a felicidade de me deparar com este artigo. Tá com preguiça de ler em inglês? Não tem problema. Não sou cristã, mas serei uma pessoa BOA e facilitarei seu trabalho.
O artigo fala de um panfleto confeccionado por iluminados seres tementes a Deus, alertando mulheres e meninas sobre os perigos das roupas provocantes. Segundo o pequeno pedaço de sabedoria, vestimentas chamativas instigam o pecado da luxúria. Por causa delas, o homem, pobre homem, que está tranqüilo e sossegado cuidando da própria vida, pode ter um desejo incontrolável de pecar, pegar a mulher na marra, arrancar sua pouca roupa e manter relações sexuais com a promíscua fêmea. Imagine você se este homem em questão é um pai de família, honesto e trabalhador. Com que cara ele vai se olhar no espelho depois de ter cedido aos apelos do Capeta e cometido um estupro? Você não quer ser responsável por essa lástima, portanto se vista com decência de maneira apropriada, diz o folheto.
A produção e distribuição gratuita desses panfletos foi uma idéia tão genial, coerente e altruísta, que senti a inspiração divina de dar continuidade a este magnífico trabalho. Pedi para que Deus utilizasse meu teclado como ferramenta de propagação da Sua sabedoria e me ajudasse a alertar a humanidade não apenas para o pecado da Luxúria, mas também para os outros seis malefícios que pouco a pouco consomem Seus filhos, fazendo com que soframos castigos merecidos como, por exemplo, terremotos.
Veja o resultado:
Vaidade
Você fica nascendo trinta anos antes de mim. Quando eu tiver cinquenta, chegarei à menopausa, terei pelancas ao invés de músculos, minha cara estará cheia de rugas, minha barriga cheia de banhas, minha bunda vai cair, meus lábios vão encolher e meu marido vai me trocar por você. Por isso tive que começar a investir em cirurgia plástica pra esticar a pele, encher a boca de colágeno e aspirar todas as células adiposas do meu corpo. A qualquer momento posso ter um choque anafilático e morrer ou até mesmo errar na mão e ficar com a cara da Elza Soares. Tudo isso porque você teima em nascer trinta anos antes de mim. A culpa é sua.
Inveja
Você fica andando por aí com esse carro importado, roupas de marca, iPhone do ano, e mulheres à vontade. Quero ser como você e não pude resistir. Então precisei entrar pro tráfico, roubar, matar uns, torturar outros, aliciar crianças e dar uns tiros, até poder ter quantos iPhones eu quisesse. A culpa é sua.
Ira
Você tem outro ponto de vista, outro estilo de vida, outra religião, outro sexo, outra roupa, outra língua e outro país. É justamente por causa da sua maneira de viver a vida que o mundo não funciona perfeitamente para mim. Essa sua mania de ser diferente do que eu considero certo e teimar em conviver comigo me revolta, me irrita, desperta o meu ódio e me faz sentir vontade de te matar. A culpa é sua.
Preguiça
Você começa discussões com argumentos chulos, idéias absurdas e fala de coisas que não conhece com muita propriedade alegando que está exercendo sua liberdade de expressão. Você exalta a mediocridade, fica se auto-afirmando toda hora, repete clichês como se fossem a mais fina sabedoria. Eu acordo todos os dias alegre e com vontade de viver, mas, ao me deparar com você, sinto cansaço mental e uma estafa inexplicável. Tenho vontade de nunca mais sair de casa pra evitar a fadiga de me relacionar com as pessoas. A culpa é sua.
Avareza
Todas as vezes que ando pela minha rua, você, mendigo fedorento que não tem o que comer e onde dormir, fica me interpelando pedindo esmola. Não gosto de dar esmola, não gosto de indigente, não gosto de você. A Prefeitura deveria recolhê-lo pra um lugar onde eu jamais pudesse te ver. Aliás, você simplesmente não deveria existir. Sou uma pessoa boa e você faz com que me sinta mesquinha. Não gosto. A culpa é sua.
Gula
Todos os dias passo pela sua confeitaria e vejo esses deliciosos e sedutores doces que você fica expondo na sua vitrine. Não resisto e como. Então engordei trinta e sete quilos, perdi minhas roupas, meu marido me largou, fiquei diabética e hipertensa. A culpa é sua.
Aceito voluntários da área de Design Gráfico, Impressão Digital e Panfletagem para a confecção e distribuição desses materiais em locais estratégicos de acordo com o público-alvo.
Faça a diferença! Deus agradece. |
posted by Arlequina
@ 12:00 PM
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